A idéia de Herzl – Um estado para o povo judeu, que se concretizaria em 1947 quando se votava a “Partilha da Palestina” e, pouco depois, em 1948, o pequeno Estado de Israel declararia sua independência.
Theodor Herzl, um homem de personalidade complexa, conhecia e entendia como poucos, a vida pública européia. Nasceu na Hungria, mas naturalizou-se austríaco, sendo o precursor do sionismo sempre foi retratado como um judeu assimilado, no entanto, extremamente sensível diante da amarga situação dos judeus.
A maioria dos judeus, não via, a tempestade que se aproximava. Herzl a enxergava. Inclusive muitos dos judeus encaravam o movimento sionista de uma outra forma, simpatizando com as idéias socialistas.
A solução de problemas sociais e culturais, reforçando a necessidade de salvar judeus que estivessem em situação de perigo, estava em seu programa sionista. Foi assim que seguidores como Max Nordau e Wladimir Jabotinsky deram total prioridade à saída de judeus das zonas de perigo.
Em 1895, Herzl publicou uma obra sobre o futuro do Povo Judeu em “Der Judenstaadt” (O Estado Judeu), e nela registrou suas idéias.
Nesta obra, Herzl traça um plano sistemático para resolver o que ele mesmo denominaria de “Judenfrage” ou questão judaica. Segundo ele, “a questão judaica existe em todo lugar em que os judeus vivem, por menor que seja seu número”.
“Compreendo o anti-semitismo, que é um movimento complexo. Em minha qualidade de judeu, encaro este movimento sem ódio e sem medo. Para resolver a questão judaica é preciso transformá-la numa questão política universal, regularizada pelos conselhos dos povos civilizados”.
Muito pouco mudou, desde que Herzl registrou estas palavras. O anti-semitismo ainda é latente na Europa, principalmente pelo ódio disseminado pelo Irã contra Israel.
Herzl idealizou duas instituições para direcionar os judeus até o novo território. A primeira era a “Society of Jews”, entidade destinada a negociar politicamente um território. A segunda era a “Jewish Company”, órgão responsável pela liquidação total dos bens e fortunas dos imigrantes judeus, bem como pela organização da vida econômica no novo país. Esta última instituição funcionaria como uma espécie de banco imobiliário à disposição dos candidatos decididos a se mudar para o novo Lar Nacional.
A concretização de uma idéia assim tão grandiosa, requisitaria, por parte dos judeus, uma alta dose de confiança e credibilidade. Não funcionou.
Para Herzl, o lugar geográfico para o estabelecimento da nação judaica era irrelevante. Cogitou seriamente alternativas tais como Uganda, El-Arish (Egito), Argentina e a então Palestina otomana. Seu livro “O Estado Judeu” discute detalhadamente as duas últimas:
“A Argentina é, por natureza, um dos países mais ricos da Terra, de imensa superfície, população escassa e clima temperado, e teria o maior interesse em nos ceder uma porção de seu território”.
O momento histórico era propício à idéia de Herzl, pois a JCA (Jewish Colonization Association), do Barão Hirsch, havia comprado terras na região. No entanto, após alguns contatos, o Programa Argentina foi abandonado. Para Herzl, a idéia de obter a então Palestina do Sultão tinha mais consistência:
“A Palestina é a nossa eterna pátria histórica. A simples citação de seu nome é um chamado poderosamente comovedor para nosso povo. Se Sua Majestade, o Sultão, nos conceder a Palestina, nós nos comprometeremos a sanear as finanças da Turquia”.
Não menos importante para Herzl era definir a jornada de trabalho no país que queria criar. Inicialmente, registra que “a jornada normal terá sete horas de trabalho”. Logo depois, entende que a árdua tarefa de podar árvores, cavar a terra, carregar pedras e realizar diferentes trabalhos braçais requerem 14 horas por dia, de árduo trabalho.
A previsão de Herzl era precisa. Os primeiros kibutzim estabelecidos entre 1909 e 1947 organizaram longas jornadas de trabalho, com mais de 14 horas, alternando-se os turnos de trabalho (mishmarot) entre seus membros.
Herzl sabia perfeitamente que, inicialmente, os judeus mais abastados e intelectualizados não afluiriam ao novo Estado. Portanto, seu apelo inicial é dirigido aos operários judeus não-qualificados da Rússia e Romênia, conclamando-os ao trabalho para construir seu Lar Nacional. Ele sabia das dificuldades e alertava dizendo que, com “o passar do tempo, essas construções provisórias serão substituídas por outras melhores”. Ainda esclarecia que “o trabalho desses operários não-qualificados os tornará donos das casas, sempre que demonstrarem bom comportamento durante três anos”.
As primeiras levas de imigrantes, chegaram por volta de 1882-1923 e eram constituídas por judeus sionistas socialistas. Somente a partir da 5ª Aliah (1933-1935), oriunda da Alemanha do Terceiro Reich, aparecem os primeiros profissionais liberais, comerciantes e pequenos industriais.
A preocupação de Theodor Herzl com as leis a serem promulgadas também era profunda. A “Society of Jews” teria como tarefa principal encarregar a um renomado corpo de juristas os trabalhos de legislação. Para estes juristas as leis adotadas deveriam ser dinâmicas, utilizando o que existia de melhor, atendendo também às rígidas exigências dos tempos modernos.
Atualmente, as leis do Parlamento de Israel (Knesset) encontram sustentação nas leis bíblicas e nas leis britânicas já existentes no país durante o Mandato Britânico, entre 1917-1947.
Herzl parecia não ter muita certeza quanto ao regime político mais adequado para o futuro país. Contudo, deixou claro, que fosse qual fosse o regime escolhido, caberia a ele redigir a mais moderna constituição.
“Considero a monarquia democrática e a república aristocrática as formas de governo mais perfeitas”.
Para ele, as instituições monárquicas possibilitavam uma política conseqüente e preservavam os interesses do Estado nacional.
O conceito de democracia não era bem aceito por Herzl. Para ele, sem o útil contrapeso de um monarca, a democracia atua sem moderação e “leva à tagarelice parlamentar e engendra a odiosa classe dos políticos profissionais”, criando assim um regime pouco eficiente e sem limites. Certamente, Herzl tinha em mente o parlamentarismo britânico. Para ele, assíduo leitor de Montesquieu, “a base da democracia é a virtude”, encontrada em muito poucos regimes da época.
Mesmo não sendo uma pessoa religiosa, Herzl pensou longamente na função que teriam os líderes religiosos e rabinos na empreitada rumo ao novo Lar Nacional judaico.
“Cada grupo de judeus terá seu rabino, que (por sua vez), acompanhará a sua congregação. Todos se agruparão livremente e o grupo local se reunirá em torno de seu rabino”.
Herzl acreditava que os rabinos seriam os primeiros a entender e se entusiasmar com a causa sionista, contagiando os demais judeus a partir do púlpito.
“Não é preciso convocar assembléias onde se perde tempo com palavras vãs e ociosas. Falar do sionismo, será intercalado no serviço religioso”.
Esta afirmação nunca se constatou, pois os primeiros a se dirigirem à então Palestina, foram judeus não religiosos do Leste europeu, especialmente da Polônia e Rússia.
Em sua obra, Herzl aborda o possível idioma oficial do novo Estado.
“Haveremos de falar hebraico?”. E imediatamente responde: “Quem, entre nós, sabe hebraico suficiente para pedir um bilhete de trem? Não há quem saiba fazê-lo”.
A sugestão do precursor do sionismo é simples: cada judeu conservará seu próprio idioma que representa a pátria de seus pensamentos, uma nação onde os cidadãos possam conviver e falar diversos idiomas. Aqui vem inserida uma idéia bastante difícil de aceitar…
Atualmente, o hebraico é a língua vingente em Israel. Os israelenses amam o hebraico e investem em seu aprendizado, contradizendo assim, a primeira idéia do ‘pai do sionismo moderno’.
Em relação à bandeira a ser adotada pelo novo Estado, Herzl errou mais uma vez. Sem negar a necessidade de que os judeus fossem conduzidos através da força de um símbolo nacional, ele imaginou
“Uma bandeira branca com sete estrelas douradas. O campo branco significaria a nova vida, pura; enquanto as estrelas simbolizariam as sete horas douradas da jornada de trabalho, pela qual os judeus se dirigiriam ao novo país”.
Esta bandeira, sequer foi colocada em votação entre os sionistas. Num dos congressos, foi rapidamente substituída por outra, proposta pelo líder sionista David Wolfsohn, inspirada no talit, o xale ritual judaico, de fundo branco e duas franjas azuis, com a estrela de David, o Maguen David, também em azul.
Theodor Herzl foi, sem dúvida alguma, foi um visionário. Durante os últimos 10 anos de sua vida lutou com todas as forças para que a idéia de um Lar Nacional para o Povo Judeu se concretizasse.
Em um de seus últimos escritos, Theodor Herzl pediu para ser enterrado ao lado de seu pai, “até que um dia o Povo Judeu leve meus restos mortais para a Palestina”. O pedido se concretizou em 1949. Ele repousa hoje, no Monte Herzl, em Jerusalém, de onde se tem uma das mais belas vistas da cidade. Seu corpo só foi levado para o recém-estabelecido Estado de Israel.
Morreu em 3 de Julho de 1904, aos 44 anos, deprimido e debilitado, sem saber o forte impacto causado por suas idéias.
Fonte de Pesquisa:
· Bein, Alex. Theodore Herzl: A Biography of the Founder of the Modern Zionism. Translated by Maurice Samuel, 1941.
· Ghivelder, Zevi. Theodor Herzl, cem anos do sonho à realidade. Revista Morashá 45, págs. 34-37.
· Herzl, Theodor. O Estado Judeu. Mercaz-Wizo-Brasil, 1954.